segunda-feira, 4 de maio de 2015

Educação para a vida

Há alguns anos fui levar meus sobrinh@s para a escola na cidade de Hampden no estado do Maine. Meu irmão me alertou de uma maneira inusitada, disse-me: Não vou tirar você da prisão, se você vir um ônibus amarelo não o ultrapasse em hipótese alguma. Naquela, como em tantas outras cidades americanas, a prática é que, se você ultrapassar um ônibus escolar, provavelmente alguém anotará sua placa e telefonará para o xerife, de posse da placa do carro o senhor xerife irá lhe visitar e lhe prender, simples assim.

Aquelas palavras eram mais ameaçadoras do que propriamente um conselho. Dirigi pelas vias da cidade torcendo para não encontrar um daqueles ônibus, não queria correr o risco. Quando cheguei perto do colégio pude avistar dois radares com o respectivo aviso de limite de velocidade. Entreguei as crianças na escola e voltei para casa.

A conversa com meu irmão ficou impregnada na minha mente. Esta semana vi um vídeo na internet sobre os ônibus americanos, antes  já havia postado como o brasileiro se comportava em frente as escolas. Nessa postagem junto as duas coisas.

Todos os dias convivo com o desrespeito na porta da escola quando vou deixar minha filha. Há uns 2 anos a escola fez uma semana do trânsito e as crianças passaram a incorporar as leis. Conclusão: muitos pais foram reclamar na secretaria do colégio que os filhos deles estavam chamando a atenção deles por furarem os semáforos, pararem em cima da faixa de pedestres etc. A diretora constrangida me contou a experiência. Acho que desistiram da educação para o trânsito, nunca mais vi uma ação na escola, uma pena.

Pequenas ações do cotidiano mostram o comportamento relativo ao respeito as leis. Como esperar que melhoremos se não respeitamos nem mesmo nossos filhos?

Brasil, Mossoró-RN



Estados Unidos:

Ônibus escolar 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Tempo de viagens reais e tempos percebidos

Tenho andando muito a pé e de bicicleta, a velocidade com que as pessoas circulam em seus carros tem-me dado medo, ou melhor, receio. Alguns momentos após ter essa percepção me dei conta que quando dirijo, faço-o na mesma velocidade, portanto, se estivesse caminhando poderia me ver dirigindo rapidamente e teria receio de mim mesmo.

Parece loucura, mas não é. A realidade tem mostrado que velocidade, imprudência e imperícia tem sequelado e matado muita gente. Se diminuíssemos um pouco, e apenas um pouco, a velocidade dentro das vias urbanas, resolveríamos uma quantidade inimaginável de problemas, dentre eles: as mortes desnecessárias; as mutilações emocionais e físicas às pessoas acidentadas e aos parentes e amigos; a reparação de bens materiais; indenizações; o espalhamento das cidades (não óbvio e não é intenção do texto demonstrá-lo) etc., etc., etc.

A primeira coisa que as pessoas iriam notar é que o tempo de viagem em carros quase não se alteraria, ou se alteraria muito pouco. 

Suponha que uma diminuição na velocidade permitida dentro da cidade gerasse uma variação fosse em torno de 10% para mais no tempo de viagem, portanto uma viagem de 20 ou 30 minutos teria uma diferença a mais de 2 a 3 minutos, ou seja, um tempo muito pequeno quando consideramos os tempos totais de deslocamentos, poderíamos dizer que significa muito pouco quando se trata de minimizar acidentes. 

Apesar de o tempo total não mudar significativamente, a simples percepção aumentada da realidade nos faz entender que estaríamos na verdade perdendo mais do que os 2 ou 3 minutos reais. A comparação entre as viagens no estado 1 (devagar) em relação ao estado 2 (rápido), poderia alterar a capacidade de julgamento e poderia induzir tanto condutor quanto passageiro de que, na verdade, a viagem poderia ter sido feita muito mais rapidamente do que realmente seria, caso estivessem viajando na velocidade anterior.

Essa é uma hipótese e pretendo testá-la com meus alunos, a continuação do post demorará, estou curioso para testar a hipótese:

A diminuição de velocidade na ordem de x% implica em um aumento do temo de viagem em y%, porém a percepção do tempo de viagem aumenta em y+z%.


Testemos.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Como Groningen tornou-se a cidade
com a maior participação de ciclistas no mundo


Groningen, localizado no  norte da Holanda, tem sido aclamada como a cidade onde há a maior taxa de ciclismo do mundo. Quase 60% de todas as viagens são feitas por bicicleta na cidade.

Em 1964, Groningen era cidade era pequena. Não havia nenhum tipo de restrições à circulação de carros pelo centro da cidade e havia pouquíssimas ciclovias (figura 1). Naquela época o motorista era o principal ator, o restante era coadjuvante na dança da mobilidade. Mesmo na Holanda, entre 1950 e 1960, ciclovias foram removidas com o propósito de se ganhar mais espaço para os carros - hoje conhecidos como devoradores de espaços urbanos.

Figura 1 - Configuração espacial e sistema viário


As cidades brasileiras ainda se encontram na fase pré-Groningen, desapropriando casas, terrenos, parques para que novas avenidas sejam feitas ou para que se dupliquem faixas de tráfego. Estacionamentos na lateral da via são removidos e transformados e faixas de circulação para que assim se aumente a capacidade viária, tudo em nome da fluidez e da tentativa de diminuição dos congestionamentos.

Assim como em várias cidades do mundo a construção de amplas avenidas também ocorreu em Groningen (Figura 2). 
Figura 2  - Grandes avenidas construídas na fase anterior a política em pról da mobilidade em bicicletas

Foram construídas avenidas que cruzavam de norte a sul e leste a oeste. No entanto, em 1972, um novo governo local mudou a ênfase do planejamento urbano em Groningen. O centro da cidade foi escolhido para ser a "sala de estar" e o urbanismo foi integrado com a política de transportes. A cidade foi projetada para continuar compacta.



Em 1980 a cidade tinha crescido consideravelmente e as novas habitações haviam sido construídas na periferia. Houve a construção de um anel viário em torno da cidade, mas o acesso ao centro da cidade de carro foi reduzido. A construção de ciclovias de alta qualidade continuou por todo o período em questão (figura 3).

Figura 3 - Configuração espacial e sistema viário


Em 2006, a cidade cresceu um pouco mais e os carros foram empurrados ainda mais para fora do centro da cidade. A cidade está agora dividida em quatro grandes “quadras”, entre as quais é impossível dirigir diretamente entre elas, todo o tráfego é direcionado para o anel viário e depois reconduzido de volta. Enquanto se congelava a construção de novas vias, ciclovias começavam a ser construídas por toda cidade.


Atualmente a única maneira possível de se cruzar o centro das cidade de maneira linear e direta é através da bicicleta, caso alguém queira cruzá-la de carro terá de fazer muitas voltas, nunca poderá dirigir em linha reta e encontrará muitas ruas fechada à circulação de carros (figuras 4 e 5).








 Figura 4 - Divisão das "quadras" centrais de Groningen

O fato de não poder cruzar a cidade de carro em linha reta traz desvantagens para os carros e vantagens para a bicicleta e a caminhada, tanto em termos de tempos de viagem quanto em segurança, uma vez que há menos exposição ao risco de pedestres e ciclistas. A impossibilidade de transitar em linha reta e a obrigatoriedade de ter de acessar o anel viário diminui consideravelmente a vantagem em termos de tempos de viagem do carro sobre a bicicleta (figura 5) 

Figura 5 - Esquema de tráfego para carros (uso do anel viário) e bicicletas



Filme 1 - A transformação de Groningen


Groningen tem 84.000 casas, 38% dos quais foram construídos depois de 1970.  180 mil pessoas vivem nessas casas, e eles possuem 71 mil carros e 300 mil bicicletas. Há 0,4 carros e motos por 1,7 por pessoa.


Setenta e oito por cento dos residentes vivem em um raio de 3 km a partir do centro da cidade. 90% dos trabalhadores vivem cerca de 3 km do centro da cidade. Essas distâncias curtas ajudam a fazer do ciclismo um modo viável de transporte para a maioria das viagens, mas Groningen não tem uma densidade populacional elevada para os padrões mundiais. Na verdade, Groningen é muito menos densamente povoada do que muitas cidades de outros países com menos de ciclismo.

Não é só Groningen que tem seguido essas políticas públicas em favor de uma mobilidade mais sustentável. A maioria, se não todas as cidades holandesas tem perseguido as políticas de privilégio às bicicletas e o desenho urbano. 

Modo geral, é bem possível aumentar as viagens por bicicleta através da integração do sistema viário, do desenho urbano e uso do solo. No entanto, é preciso que o Estado interfira em favor de uma mobilidade urbana que privilegie modos de transporte menos poluentes e mais ecologicamente sustentáveis. Os feitos em Groningen ocorreram somente devido a política deliberada de exclusão os carros do centro da cidade (uma forma de segregação sem ciclovias), enquanto forneciam uma infraestrutura cicloviária de alta qualidade e livre de carros entre a periferia e o centro da cidade.

Groningen é uma cidade universitária, o que leva a cidade ter a menor média de idade populacional em comparação a outras cidades holandesas. Existem cerca de 50 mil estudantes em uma cidade de 180 mil pessoas. Este fator, claro, também aumenta o nível de ciclismo. No entanto, devido ao desenho da cidade, até mesmo os alunos em Groningen tendem a pedalar mais do que os estudantes em qualquer outro lugar do mundo.

Conclusão
A escolha modal é fruta de políticas diversas de incentivo e desincentivo aos diversos modos de transporte. Assim como não escolhemos os tipos de alimentos, música, vestimentas etc. que hoje desfrutamos, pois estes nos são impostos pelos costumes e idiossincrasias da sociedade em que habitamos, os transportes também não os escolhemos, são sim frutos de políticas impostas, as quais privilegiam ou inibem determinados meios de transportes.

Cidades holandesas fizeram um favor a humanidade e ao urbanismo ao mostrar que podemos transformar tanto a mobilidade quanto a conformação das cidades através do uso de políticas públicas de planejamento dos transportes, uso do solo e moradias.

referências

http://www.aviewfromthecyclepath.com/2009/02/how-groningen-grew-to-be-worlds-number.html
https://www.youtube.com/watch?v=cWf5fbSUNAg

domingo, 29 de março de 2015

O ponto da virada para o ciclismo holandês: Nieuwmarkt na Primavera de 1975

Um dos muitos mitos urbanos sobre o ciclismo holandês é que os holandeses sempre tiveram muitos ciclistas. Nós todos sabemos o quão bom Amsterdam é hoje em dia. Mas isso nem sempre foi assim. E mais preocupante, Amsterdam esteve  perto de ser demolida por completo. Uma pesquisa histórica mostra, entretanto, que, assim como nos outros países, cidades holandesas também experimentaram uma rápida diminuição dos níveis de ciclismo, com a ascensão do carro após a Segunda Guerra Mundial (Adri de la Bruheze e Frank Veraart, ver gráfico abaixo). Isso revela que o ciclismo holandês é tão vulnerável a choques externos, como qualquer outro país. Uma nota mais positiva: ele também mostra que as cidades podem se recuperar. O ponto crucial para entender isso para a Holanda é a primavera de 1975. E para ser mais preciso, ele estava em um pequeno bairro no leste do centro da cidade de Amsterdam.


Foi ali que uma jovem geração de posseiros e seus simpatizantes resistiram aos planos e visões do que era para se tornar a "cidade moderna": Uma cidade para o desenvolvimento econômico, para a construção de escritórios no centro, para a ocupação de casas de baixo custo nos subúrbios, distantes do centro e para a construção de enormes vias e estrutura metroviárias ligando os dois mundos. Criando espaço para o rápido, magnífico e emergente automóvel. O sonho de muitos engenheiros e urbanistas da época. Muitos habitantes ficaram furiosos com isso e se levantaram para proteger as qualidades históricas da cidade. 

Desta forma, muitos dessas pessoas, mesmo sem saberem, talvez tenham lutado uma das mais importantes batalhas em relação ao uso do solo e de transporte. Devido à sua resistência feroz, a máquina da modernidade parou e foi substituída por idéias mais compatíveis ao tamanho humano: edifícios de pequena escala, bairros densos e diversificados e um status de  convidado para o tráfego de automóveis. Se você quiser entender o porque de Amsterdam ter se tornado na Amsterdam de hoje e que muitas cidades aspiram ser como tal, é necessário que se entenda este momento chave.


O documentário abaixo mostra pessoas que estiveram juntas e mudaram o curso da história urbana de Amsterdam para o bem, e mostraram o caminho para tantos outros. Fomos a Paris e Nova York para aprender com eles na década de 1960. Agora, eles vêm até nós! A mudança é possível, mas você não pode esperar que venha de engenheiros e planejadores. A melhor aposta são contramovimentos como este. Uau, mesmo as crianças superam os profissionais nesta matéria.

http://cyclingacademics.blogspot.nl/2015/03/the-turning-point-for-dutch-cycling.html


quinta-feira, 5 de março de 2015

O QUE FAZ COM QUE AS PESSOAS USEM TRANSPORTE PÚBLICO?

Este artigo consta do World Economic Forum e foi escrito por Ken Fang. O interessante é que somente agora o setor transportes passe a fazer parte da agenda do WEF. Já perceberam que a atividade econômica como tal, combinada com o aquecimento global fundiriam o planeta, alguma coisa tem de ser feita. O setor transportes é o setor que não para de emitir CO2, e pelo jeito não parará tão cedo. Daí a importância da participação dos transportes público como mitigadores.

No artigo Fang trata de alguns pontos básicos, que, para mim, são paliativos. Sem uma forte e drástica restrição ao uso do automóvel, poderíamos dizer que quase tudo é pura baboseira, bullshit mesmo. Bom, vamos lá ver o que propõe o Fang:

Como o congestionamento do tráfego continua crescendo em áreas urbanas, mais e mais cidades já perceberam que deve ser dada prioridade aos investimentos voltados aos meios que privilegiem os transporte públicos como; metrô, sistemas de Bus Rapid Transit (BRT) ou ônibus, ao invés dos investimentos em veículos pessoais. Simplificando, meios de transporte público são mais eficientes do que os carros particulares em termos de transporte e movimentação de pessoas. No entanto, experiências internacionais também nos dizem que construir mais linhas de metrô ou colocar mais ônibus nas vias pode não ser eficaz em trazer mais pessoas para os transporte públicos.

Há vários fatores “não-transporte”, ou fatores de design urbano, que desempenham um papel fundamental na decisão de uma pessoa em escolher seu melhor modo de viagem.

O primeiro fator crítico é a densidade. Como ilustrado em um famoso estudo realizado por Alain Bertaud, ex-funcionários do Banco Mundial, a densidade é a principal razão pela qual 30% das viagens diárias são realizadas por transporte público em Barcelona, ​​mas apenas 4% em Atlanta. Barcelona é cerca de 30 vezes mais densa do que Atlanta, assim, portanto, é muito mais fácil fornecer o mesmo nível de serviços de transporte público em Barcelona do que em Atlanta. 

Um fator menos conhecido é a acessibilidade. Ter uma elevada densidade populacional, pode não garantir mais pessoas na utilização dos transportes públicos.


Figura 1

Vamos olhar para Pequim, Londres e Nova York. Em média, Pequim tem uma densidade populacional muito maior do que Londres e Nova York no centro da cidade (veja a Figura 1), mas a parcela que usa transporte público em Pequim é muito menor do que a de Nova York e Londres. Por quê?

Um estudo de caso realizado pelo Banco Mundial denominado "Medindo a acessibilidade do pedestre: Comparação entre Centros comerciais de Pequim, Londres e Nova York", aprofundou o olhar sobre o tecido urbano das três cidades e nos ajuda a entender as razões.

Tomando como exemplo uma estação de metrô em cada área central das três cidades: Guomao em Beijing, Oxford Circus, em Londres e da Grand Central Station, em Nova York.

Pesquisadores do Banco Mundial descobriram que o número de postos de trabalho situados no interior dessas áreas que podem ser alcançados com uma caminhada de 20 minutos a partir das três estações de metrô é bem diferente; Guomao tem o menor número de empregos, e a Union Station tem a maior. Dado que as pessoas normalmente podem caminhar cerca de 20 minutos sem interrupção, aqueles cujos escritórios estão localizados dentro das áreas de captação seriam capazes de caminhar sem dificuldades da estação de metrô para o escritório (ou a pé a partir do escritório até a estação de metrô),  e, portanto, a probabilidade de as pessoas usarem metrô para trabalhar é maior do que aqueles cujos escritórios estão localizados fora das áreas de influência de 20 minutos.

Entre as três cidades, o fato de que Pequim tem o menor número de postos de trabalho localizados dentro da área de conveniência de caminhada até a estação de metrô mais movimentada explica por que Pequim tem a menor participação no modo de transporte público do que outras duas cidades.

No entanto, por que isso teria acontecido? Será que nos esquecemos de que Pequim tem maior densidade populacional do que Nova York e Londres? Um olhar mais atento ainda descobriu que o ambiente espacial urbano nas três cidades é bem diferente (Figura 2):

• Ruas muito largas, quadras grandes  e edifícios muito afastados das ruas, em Pequim;
• As ruas estreitas, quadras muito pequenas, edifícios mesmo à beira das ruas em Nova York e Londres.

Figura 2

Devido a estas diferenças de tecido urbano, o número de edifícios e o tamanho das áreas dos escritórios em Pequim, que estão localizados dentro de 20 minutos a pé da estação de metro (ou acessível por metrô), na verdade, não é grande, apesar do fato de que Pequim tem a maior densidade (em uma média de largura da cidade) entre essas três cidades.


Figura 3

Outro fator muitas vezes negligenciado é “caminhabilidade”. Um estudo financiado pelo Banco Mundial, "Walk the Line: contexto da estação, tipo de corredor de ônibus e acesso rápido a pé em Jinan, na China", conclui que, em alguns lugares, as pessoas que vivem a mais de 900 metros de distância caminham até os pontos de ônibus; mas em alguns outros lugares, muitas pessoas cujas casas estão pouco mais de 100 metros de distância das estações de BRTs não caminham até as estações.

Para descobrir a razão, os pesquisadores fizeram visitas aos locais e entrevistaram usuários dos BRTs. A Figura 3 mostra uma rua que não é muito larga, coberto por árvores e há muitas lojas ao longo da rua. Muitas pessoas estão caminhando enquanto compram naquela rua todos os dias. As pessoas entrevistadas disseram que gostam de andar nessa rua e eles realmente não se sentem cansadas, mesmo quando andam uma longa distância. Esse é o lugar onde as pessoas andam até 900 metros para chegar as estações de BRT.

A Figura 4 mostra um outro lugar onde há uma via com um elevado muito grande, uma calçada estreita e mal conservada e muito poucas árvores. Nenhum dos entrevistados disse que gostaria de andar nessa rua. Esse é o lugar que tem um sistema de BRT a menos de 100 metros perto de casa.


Figura 4

Muitas cidades em desenvolvimento estão agora construindo ou planejando construir metrô e BRT, com o objetivo de conseguir que mais pessoas passem a usar o transporte público em vez de veículos particulares. Esses esforços devem definitivamente ser aplaudido.

No entanto, também é importante olhar para os fatores críticos relacionados aos fatores "não-transporte" que  afetam a decisão das pessoas sobre o uso de transportes públicos, tais como densidade, acessibilidade e caminhabilidade, como discutido acima. Um planejamento urbano e investimentos complementares em ambientes espaciais urbanos também são particularmente necessários para tratar essas questões.

Este artigo é publicado em colaboração com o The World Bank’s Transport for Development. A publicação não implica o endosso de pontos de vista pelo Fórum Econômico Mundial.

Autor: Dr. Ke Fang é um especialista em transportes chumbo atualmente com sede em Nova Delhi.

domingo, 1 de março de 2015

Mi Buenos Aires Querida - II

Fizemos vários itinerários caminhando para vermos os pontos turísticos mais famosos da capital portenha, quando as distâncias era grande fizemos uso do Subte (metrô), ou do taxi, que é relativamente barato se você esta em 2 ou mais pessoas.

Em uma das nossas incursões fomos conhecer o CAMINITO. O taxista nos deixou na entrada do Caminito, era uma segunda feira, 9 horas da manhã, tudo vazio, até fiquei decepcionado, olhei e pensei: Só isso? Acho que minha decepção estava mais ligada a primeira imagem. Um lugar vazio, pobre, mais parecido com as favelas brasileiras.




Bom, durou muito pouco, bastou caminhar e começar a perceber que ali estava cheio de vida, cores, aromas. Começamos a conversar com os locais, aos poucos os ônibus de turistas foram chegando e o local foi-se enchendo, sendo tomado por pessoas de todos os lugares do mundo. Alas, o Caminito se fazia.

Além de ter adorado o Caminito, o que me chamou mais a atenção foi encontrar uma Pedestrovia na esquina do Caminito com a Rua General Gregorio Araóz de Lamadrid. Nessa esquina do Caminito fizeram na interseção um traffic calming e ao longo da Rua General Gregorio fizeram a implantação de uma faixa segregada para bicicletas.

Interseção do Caminito com a Rua General Gregorio Araóz de Lamadrid


Ciclovia ou pedestrovia?

Como num click, um lampejo, me veio a solução das calçadas brasileiras. Aqui, bem no Caminito, que parecia que iria ser um passeio sem muita graça, veio o presente da minha viagem. Ali estava uma solução barata e eficaz para transformamos as cidades brasileiras.

O que mais me chamava a atenção em Buenos Aires eram as calçadas, largas, bem feitas, sem desníveis, ótimas para a caminhada. De repente encontro uma única calçada com degraus e vejo as pessoas caminhando na rua, na pedestrovia, ops!! ciclovia.

Lembrei-me imediatamente do prof. Enilson Santos da UFRN, que em uma de nossas conversas sobre como melhorar a mobilidade me alertava para a necessidade de avançarmos no leito carroçável se quiséssemos resolver os problemas das calçadas. E, ali no Caminito, se materializava nossa conversa.

Temos que ter coragem de mudar nossa abordagem para que os direitos sejam equivalentes entre pedestres, não motorizados e motorizados. Estes 100 anos de veículos automotores já nos massacraram o que tinham de nos massacrar. É hora de reclamarmos nossos espaços.


segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

Mi querida Buenos Aires 

 Demorei muito mais do que devia para vir conhecer Buenos Aires, se soubesse que a cidade portenha era o que é, teria vindo muito antes. Caminhar pelas avenidas, ruas e becos admirando a arquitetura dos prédios, o desenho das casas, os sons e odores diversos dos cafés é prazeroso, uma delícia. 

Caminhamos muito, muito mesmo, estávamos hospedados perto da Recoleta e cruzamos as Av. Corrientes e Córdoba nas idas e vindas, chegamos a pé em Porto Madero, Teatro Colón, Café Tortoni, Galerias Pacífico, uhau!!! Pegamos o Subte (metrô) uma única vez para irmos ver o mercado Dorrego, usamos serviços de táxis para as viagens mais longas, como para ir até o Caminito, por exemplo. Os táxis foram nossa salvação quando nossos pés já não nos davam mais trégua. 


Fizemos a parte histórica e turística de Buenos Aires caminhando tanto de dia quanto a noite. Caminhasse com segurança, dificilmente se cruza um quarteirão sozinho e não se encontra com outras pessoas caminhando, não há o que temer, as calçadas são largas e limpas, cheias de pessoas e de vida, nada comparado com o que temos nas atuais cidades brasileiras onde o medo tomou conta das ruas. 




Além da segurança, ou sensação da mesma, outro fator que talvez faça com que haja muitas pessoas caminhando seja a ausência de garagens nos prédios. A grande maioria dos prédios, que são antigos, não tem garagens muito menos porteiros - e viva a segurança!!!. O fato de os prédios não terem garagens obriga aqueles que possuem carros a estacionar em outros lugares e caminhar até suas moradas. Outro fato interessante nesses dias que desfrutei essa cidade foi caminhar e não encontrar nenhum grande supermercado, nenhum. Como em muitos países europeus todos os mercados estão localizados nos andares inferiores dos prédios. Os mercados, mesmo pertencendo as grandes cadeias, são de tamanho modesto e têm cerca de 7 a 9 metros de largura por 40 a 60 de fundos, e tem todos os produtos de que se precisa, um vinho ou uma comida mais refinada podem ser encontrada a poucos metros e outras vendas especializadas. 


 Carrefour no centro de Buenos Aires 


Ao lado da Catedral Metropolitana, antiga casa do antigo Jorge Bergoglio - novo Francisco, quase em frente a Casa Rosada - sede do Governo Argentino, encontra-se um excelente exemplo do que se pode fazer contra a arrogância do espaço destinado aos veículos automotores. A prefeitura de Buenos Aires ao aumentar a calçada proporcionou aos pedestres uma travessia com menos riscos, tornou o ambiente mais amplo, limpo e seguro. A segurança para o pedestre se dá por dois motivos, primeiro ao diminuir a distância de travessia entre dois pontos da rua diminuindo a exposição do pedestre ao risco, o segundo pela diminuição da velocidade dos carros ao contornar a esquina, o aumento da calçada sobre o asfalto (parte amarela do passeio) reduz o raio de giro dos automóveis forçando-os a diminuir suas velocidades. Exemplos como este devem servir como estudos de caso e multiplicados em todas as cidades mundiais. 






Podemos ver alguns esforços pontuais como este nas cidades de São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, Belo Horizonte e outras que possuem corpo técnico especializado. Em 12 grandes cidades brasileiras pesquisas por mim em por uma discente, verificamos que em apenas 3 cidades existiam órgãos de mobilidade que faziam o planejamento integrado entre trânsito, transporte e pedestres (calçadas). Podemos dizer que na quase absoluta totalidade das cidades brasileiras o planejamento e a gerência do trânsito, transporte, uso do solo e das calçadas são entidades distintas e que se digladiam entre si pois os objetivos de cada uma dessas entidades na se coadunam. 

Apesar dos avanços recentes como o aumento das calçadas, inclusão de ciclovias e construção de um BRT na Av. 9 de Julio, Buenos Aires é marcada pela arrogância do espaço destinado aos carros. A famosa e outrora Av. 9 de Julio, vangloriada como a avenida mais larga do mundo, é a marca de que algo vem acontecendo não só em terras austrais como no resto do mundo. A destinação de 4 faixas exclusivas aos ônibus no centro da avenida mais famosa da capital portenha é um símbolo e um passaporte para a mudança de um modelo socialmente exclusivista para um modelo inclusivo. 


Av. 9 de Julio antes do BRT


Av. 9 de Julio depois do BRT 


Av. 9 de Julio depois do BRT 

Nem tudo esta perdido, mas as cidades brasileiras estão levando uma goleada portenha.

domingo, 4 de janeiro de 2015

INDUSTRIA DAS MULTAS

Frequentemente a imprensa alardeia que existe uma industria das multas. Motoristas tremem ante esta industria. Frequentadores de botecos comentam entre um gole e outro de goró que a a Lei Seca agora é para valer etc., etc., etc.

Sempre desconfio do senso comum, aliás, o senso comum pouco resiste a uma análise um pouco mais perspicaz, mas as vezes faz sentido não analisarmos muito, principalmente quando não dispomos de dados, as chances de cometermos erros e injustiças são grandes.

Para não cometermos injustiças vale a pena se debruçar sobre os fatos. Recentemente estava com um secretario de transportes de uma cidade e este me confidenciou que muito agentes de trânsito não aplicavam multas, fiquei interessado na afirmação e perguntei a  ele sobre qual base fazia essa afirmação. O secretario me falou que havia o caso de vários agentes que mal aplicavam multas, havia um, em especial, que estava em serviço e não aplicara sequer uma multa nos últimos 2 anos.

Sai da secretaria e não demorou mais que 2 ciclos semafóricos para um motoqueiro passar no sinal vermelho. Na próxima quadra um outro virou a esquerda sem dar seta. Entre a secretaria e minha casa me perdi nas contas de quantas infrações verifiquei. Bom, alegarão uns que isso não é uma medida válida, então vamos lá.

Recentemente importei uma pistola radar, daquelas que os policiais usam em estradas para inibir  e/ou controlar as velocidades. Resolvi fazer umas medidas nas avenidas da cidade para verificar se havia alguma relação entre largura de faixas e velocidades e corroborar minha tese de que não existe essa tal industria da multa e, se existir, ela é muito ineficiente.

Escolhemos vias arteriais e conectoras com velocidades limites de 60 e 50km/h, respectivamente. Tanto nas avenidas que dão acesso a cidade, ou seja, nas vias arteriais as velocidades médias foram sempre acima da velocidade limite (60km/h), quanto nas vias conectoras (50km/h). 

Na primeira avenida pudemos observar que em 414 observações, nada menos que 43% dos veículos circulavam com velocidade maiores que as permitidas, ou seja, merecedoras de multas. Na segunda avenida constatamos que, para as 403 medidas, nada menos que 56% dos veículos circulavam com velocidade acima da permitida e na terceira avenida constatamos que 59% circulavam com velocidades acima da permitida.

Alguns poderiam argumentar que eram avenidas sem sinalização, sem placas etc. Em todas essas avenidas existem placas de sinalização e radares fixos, conhecidos como pardais, porém parece haver pouca efetividade dos radares fixos no controle da velocidade.


As velocidades constatadas são altíssimas e pouco condizentes com a segurança dos usuários de veículos e de pedestres. Nessa  pequena amostra de cerca de 1200 veículos, poderíamos ter lavrado cerca de 600 multas, eu disse SEISCENTAS MULTAS em menos de 2 horas de trabalho. Agora vejam vocês, nosso agente, com dois anos de serviço prestado não havia sequer lavrado uma multa, e ainda dizem que existe a tal industria da multa.