terça-feira, 10 de maio de 2011

Calçadas ou corrida de obstáculos

Tenho me interessado pela questão do pedestre de uma maneira muito particular, acho que estou envelhecendo e começando a sentir os efeitos dos anos no meu próprio corpo. Fico imaginando e olhando pessoas com 60, 70, 80 anos andando pelas cidades brasileiras e me imagino com essa idade e como eu gostaria de encontrar minhas futuras cidades, como seria meu deslocar entre minha casa e a padaria, onde compraria um jornal, tomaria um café expresso depois passearia para ver as pessoas. Minha imaginação poderia ser dita como egoísta, afinal estou pensando em uma cidade para mim, para minha velhice, mas a vida é agora, e é agora que pessoas idosas, mamães com carrinhos de bebês, pessoas com dificuldades de locomoção etc. necessitam se locomover.
Tanto eu quanto os que necessitam se deslocar usando as caçadas queremos um sistema de circulação que permita o deslocamento a pé, que permita que as mamães passeiem com seus bebês em seus carrinhos, que os cadeirantes possam se libertar das restrições de mobilidade, que as mulheres em seus saltos não tropecem nos degraus e buracos das caçadas etc.
Só que, ao passear por qualquer quadra, vejam bem, qualquer quadra, em qualquer cidade brasileira, percebo o quão longe estamos de ter um sistema viário projetado, construído e mantido adequadamente para as necessidades humanas. Não conheço nenhuma cidade que permita que uma mamãe de uma volta na quadra sem encontrar um obstáculo que a impeça de circular livremente, não conheço nenhuma calçada onde o cidadão “de bem” não tenha construído um degrau, uma rampa, para que seu carro acesse seu lote. Não conheço nenhuma quadra onde o pavimento da calçada seja uniforme, com declive adequado a caminha, simplesmente não conheço.
Mas, as vezes, algumas cidades apresentam lampejos de sanidade ao tratar a questão do pedestre. Mas infelizmente são somente lampejos. Estive na cidade de Currais Novos, RN onde, para minha surpresa, caminhei de maneira segura e confortavelmente em algumas de suas calçadas.
Ao sair da pousada e caminhar nas ruas ao redor da praça central, as calçadas não apresentavam degraus nem as inconvenientes “rampinhas” feitas para que os carros possam entrar nas garagens. Sempre gosto de observar como calçadas são feitas em ruas com declive, como na foto abaixo, rua com declive suave e um detalhe pouco comum como o plantio das árvores no leito carroçável.


Assim que sai do centro e fui caminhar para conhecer a cidade, voltei à realidade das cidades brasileiras, ou seja, o melhor lugar para caminhar é na rua, junto com os carros, porque na calçada somente para quem deseja fazer uma corrida de obstáculos

O interessante é que as duas ruas possuem declives, no primeiro caso a construção da calçada acompanha o leito carroçável, o que deixa a calçada livre de obstáculos, agradável ao caminhar. No segundo caso, os moradores resolveram deixar a frente de suas casas em nível, para isso construíram verdadeiras plataformas, o que torna o caminhar um fardo mesmo para os mais jovens.
A grande questão é: como resolver o problema das calçadas quando tudo já se encontra construído? Teriam os prefeitos coragem e força para reformar as calçadas e obrigar seus munícipes a adequar o passeio? Tome por exemplo as rampas construídas sobre as calçadas para que os carros acessem as garagens. Em uma obra de nivelamento das calçadas os proprietários teriam de promover uma mudança interna ao seu terreno, lembrando sempre que muitas dessas garagens são parte da sala, da cozinha, da área de estar etc. A adequação obrigaria, em muitos casos, a uma reconstrução na parte interna do lote, da casa, o que seria uma propaganda extremamente negativa ao prefeito, seria como se a prefeitura forçasse o dono da residência a não só reconstruir a calçada mas também o pavimento e o nível da sala, da cozinha etc. para que o carro pudesse entrar em casa.
Fazer com que o proprietário do lote adéqüe o padrão construtivo para dentro do lote não é simples, mas possível, vejam o que aconteceu bem no coração paulistano quando da reforma da Av. Paulista, alguns bancos, condomínios etc. tiveram de fazer ajustes temporários para que pessoas e carros pudessem acessar o interior dos edifícios. Não voltei para ver se o banco em questão resolveu para dentro do lote o acesso do cadeirante, como manda a legislação ou deixou aquela rampinha ilegal e ridícula na calçada.

Nossa vida, como seres caminhantes, não será fácil, principalmente quando nossa agilidade e capacidade de mobilidade for diminuindo a medida em que ganhos algumas primaveras. Não vejo solução somente através da imposição do gestor público para a simples reforma das calçadas, seria por demais complicado. Temos uma longa caminhada, mas acho que deveríamos começar a pensar em usar a faixa de estacionamento ao longo da calçada como uma possível solução para o incremento de espaço, livre de obstáculos, na reforma, construção e expansão das futuras calçadas.