segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Plantando asfalto

Curitiba vive colhendo o que foi plantado na década de 70 e 80. As inovações advindas do jovem arquiteto Jaime Lerner e sua equipe que souberam ousar, criar e implantar diversas estruturas que modificaram a cena curitibana e transformaram a capital paranaense em cidade mundial. Quem for ao Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba - IPUC poderá ver os alfinetes coloridos colocados em um mapa mundi, cada alfinete daquele representa uma delegação que visitou Curitiba para ver e aprender com o modelo de Uso do Solo, Transportes e Trânsito pode transformar e dirigir o crescimento de uma cidade.

Passados 30 anos, tanto o IPUC quanto a URBS (empresa que gerencia os transportes públicos) parecem ter envelhecidos. As ousadas inovações e transformações tornaram-se raras e a acomodação parece ter dominado aqueles órgãos de planejamento e administração e operação. A minha percepção é que a necessidade de concurso público para o funcionalismo público é uma desgraça para as cidades. Os concursos públicos, nos moldes como feitos hoje, admitem apenas quem se prepara para passar em um teste de marcar x, passado no teste, temos um ótimo concurseiro e um planejador o qual ficará 30 ou mais anos no cargo, deitado em berço esplêndido, faça ou não diferença para a cidade. Aprovado, o funcionário terá apenas que dizer amém para o chefe e a vida segue. Que modelo deprimente.

Os velhos planejadores de Curitiba já não dão mais as cartas, saíram, foram vender consultoria pelo mundo afora, os que ficaram resignaram-se em suas cadeiras ou em seus pensamentos de décadas passadas. Falo isso porque a mais de 15 anos procurei o IPUC para doar um plano de ciclovias via ITDP, na época o distinto diretor, afilhado político de algum conchavo qualquer e, que nada entendia de cidades, olhou-me assustado e disse que Curitiba já tinha um sistema cicloviário.

É, isso mesmo, Curitiba tinha um sistema cicloviário que não atendia ninguém, mas tinha. Esse sistema tinha sido feito anos atrás para aproveitar os fundos de vale onde a antiga Rede Ferroviária tinha desativado o trem. Como o leito da ferrovia estava lá e conectava alguns parques, a administração municipal aproveitou o espaço e pavimentou parte do leito, criando assim um sistema cicloviário que liga nada a lugar algum. Alguns desses segmentos de ferrovia passavam dentro de favelas e se você passasse por lá de bicicleta poderia sair a pé. O “sistema” nunca funcionou como sistema cicloviário e nunca funcionará.

Com o começo dos congestionamentos em Curitiba o IPUC apressou-se em tentar aplacar a ira dos carrocratas, algo tinha de ser feito e foi. Freneticamente a cidade passou a adotar binários em todas as avenidas que possuíssem um via paralela capaz de acomodar o fluxo contrário. Com a política de implantação de binários dava-se mais um fôlego para prefeitos, IPUCs e URBS das vidas. A cada crescimento da frota de veículos particulares (figura 1), a cada aumento de congestionamento tentava-se solucionar o problema aumentando a capacidade viária. Essa solução funciona até que o sistema fique saturado.

A prática de planejamento com base na expansão dos sistemas viários pode ser comparada à tentativa de uma pessoa obesa tentar resolver o problema da obesidade através da compra de calças e cintos maiores ano a ano na vã tentativa de acomodar-se dentro das novas roupas, pensando que assim resolverá seu problema de obesidade.

Figura 1 -  Evolução do número de veículos (carros e motos) e passageiros do transporte público

Anos depois voltei ao IPUC para tentar discutir a grande ênfase que Curitiba colocava na implementação de sistemas binários. Voltei ao IPUC e quis pesquisar e acessar os dados referentes a implantação dos binários, questionei também se havia uma avaliação antes e após a implantação dos binários em relação ao número de carros, passageiros transportados, quilometragem viajada, passageiro transportado nos ônibus etc. Não havia nenhuma medida, a única explicação que me foi dada era de que "era preciso aliviar o trânsito". Naquele momento vi que o IPUC havia morrido, não fazia bem para a cidade, pelo contrário, era um órgão que havia trabalhado anos para o bem da cidade e que agora, era sua inimiga.

A busca frenética para acomodar mais carros a qualquer preço é danosa à cidade. Essa busca seqüestra os espaços públicos (figura 2) destinados aos pedestres ao consumir parte das calçadas, rouba dos cidadãos a capacidade de se criar ciclovias pois troca os espaços de estacionamentos por mais uma faixa de rolamento, envenena a população pois permite que mais e mais carros acessem os espaço público e despejem toneladas de gases nocivos aos seres vivos e, por fim, não resolve o problema de congestionamento, pelo contrário, alimenta o monstro.


Figura 2 – Retirada do canteiro central da R. Dr. Pedrosa para criar mais uma faixa de rolamento

Curitiba: quem planta vias, colhe congestionamentos.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Responsabilidade Social II

Para as pessoas que não possuem nenhuma restrição física, o caminhar se faz vencendo os diversos obstáculos; uma calçada em desnível, alguns degraus, buracos aqui e acolá, postes, bancas de jornal, entulhos e lixos “deixados” no passeio etc. Aos poucos os obstáculos vão sendo vencidos e as pessoas vão fazendo seu caminho, e essa tem sido a história da humanidade.

A partir do momento em que a sociedade evolui outras demandas vão sendo incorporadas e as necessidades daqueles que por ventura não tinham sido contempladas começam a ser atendidas. Uma sociedade igualitária é um sonho a ser perseguido, um sonho quase impossível de ser alcançado pois as demandas individuais serão sempre infinitas e a provisão de serviços para esse tipo de demanda teria de ser individualizada, o que não é factível no atual momento de desenvolvimento da sociedade.

Apesar de não podermos atender as demandas individualizadas de nossas sociedades, o que pode e deve ser feito é, a partir de um padrão mínimo de projeto e construção, fornecer uma infraestrutura inclusiva, de desenho universal que permita que a quase totalidade dos desejos dos cidadãos sejam satisfeitos com equidade e segurança.

Ao projetarmos e implementarmos nossas infraestruturas com mais dedicação e atenção para os veículos particulares do que para outros modos de transportes roubamos um pouco da equidade e do sonho de igualdade.
                                                                               
   Figura 1

Ao não provermos as infraestruturas com igualdade e equidade roubamos o direito de uma parcela da população em satisfazer suas necessidades básicas tais como; o deslocamento a um supermercado para comprar itens básicos, a caminhada até a padaria, uma ida ao banco, uma visita aos entes queridos, uma viagem ao trabalho etc.

Além de a sociedade retirar os direito de uns em privilégio de outros, muitas vezes faz isso a um custo social por demais cruel, pois expõe a vida de muitos à riscos desnecessários, quase criminosos.

Filme 1


O atendimento das demandas sociais em relação aos deslocamentos urbanos é um fator promotor da igualdade de condições para que as necessidades básicas sejam atendidas.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Responsabilidade Social

Ontem sai com minha filha para andarmos de bicicleta, o objetivo era sairmos do nosso prédio e irmos à Av. Rio Branco. No domingo a Av. Rio Branco é fechada e a via se torna um imenso espaço público onde pedestres, corredores, patinadores, ciclistas etc., se divertem e desfrutam o final de tarde e início da noite livre do movimento de carros e motos.

Já havíamos ido muitas vezes à Av. Rio Branco, sempre colocava as bicicletas no carro, dirigiamos até lá e depois pedalávamos, mas ontem foi diferente, já saímos pedalando de casa, foi ai que o medo, um certo pavor surgiu.

Maria tem 9 anos, era a primeira vez que pedalava na rua, montei então um esquema de proteção. Escolhi as ruas com menor fluxo de carros e com pavimento de asfalto para facilitar a pedalada para a pequena. Pedi que ela ficasse sempre na minha direita, assim eu ficava entre o carro e Maria.

Quando estávamos chegando ao centro, prova de fogo. Como atravessar um semáforo com uma criança em uma bicicleta quando não há tempo nem para pedestres? 

Aproveitei e expliquei para ela o que ela deveria olhar, quais cuidados tomar etc. Deixamos um ciclo semafórico completar, apareceu uma oportunidade e finalmente cruzamos a interseção do cemitério (sem trocadilhos).

Na noite anterior havia lido como os holandeses se sentem orgulhosos de como todas as suas crianças podem pedalar em segurança para as suas escolas, isso mesmo, todas as crianças. 

Lembrei de Maria em Paris me perguntando o que duas crianças do tamanho dela estavam fazendo sozinhas atravessando a rua em patinetes, expliquei para elas que elas estavam saindo da escola e indo para casa. Maria mais que rapidamente me perguntou o porque ela também não poderia fazer o mesmo em nossa cidade. Qual resposta dar para essa criança?

E se mudássemos o foco das crianças para os adultos com mais de 70 anos? Idosos que não dirigem por não possuírem carros, ou os que perderam a capacidade de guiá-los, ou que por qualquer outra razão não façam uso dos carros particulares e tenham de se deslocar pelas cidades. Poderiam fazê-lo através do uso de táxis e de transportes públicos, o que de fato lhes custaria muito caro, o que torna esses deslocamentos um impeditivo para a grande maioria das pessoas.

A solução seria o uso das  calçadas, mas o uso das calçadas pelos idosos é quase impossível, não temos calçadas com acessibilidade na imensa maioria das cidades, os riscos de acidentes são enormes uma vez que as interseções não estão programados com tempo de cruzamento para pedestres. Nas interseções onde há o tempo para pedestres, estes estão dimensionados para uma caminhada rápida para  vencer a distância entre as duas esquinas, nunca vi um estudo brasileiro que considere o tempo de caminhada dos idosos.


Enfim, a mudança do viário para proteção de crianças seria uma dádiva para os idosos e vice-versa.