segunda-feira, 6 de abril de 2015

Tempo de viagens reais e tempos percebidos

Tenho andando muito a pé e de bicicleta, a velocidade com que as pessoas circulam em seus carros tem-me dado medo, ou melhor, receio. Alguns momentos após ter essa percepção me dei conta que quando dirijo, faço-o na mesma velocidade, portanto, se estivesse caminhando poderia me ver dirigindo rapidamente e teria receio de mim mesmo.

Parece loucura, mas não é. A realidade tem mostrado que velocidade, imprudência e imperícia tem sequelado e matado muita gente. Se diminuíssemos um pouco, e apenas um pouco, a velocidade dentro das vias urbanas, resolveríamos uma quantidade inimaginável de problemas, dentre eles: as mortes desnecessárias; as mutilações emocionais e físicas às pessoas acidentadas e aos parentes e amigos; a reparação de bens materiais; indenizações; o espalhamento das cidades (não óbvio e não é intenção do texto demonstrá-lo) etc., etc., etc.

A primeira coisa que as pessoas iriam notar é que o tempo de viagem em carros quase não se alteraria, ou se alteraria muito pouco. 

Suponha que uma diminuição na velocidade permitida dentro da cidade gerasse uma variação fosse em torno de 10% para mais no tempo de viagem, portanto uma viagem de 20 ou 30 minutos teria uma diferença a mais de 2 a 3 minutos, ou seja, um tempo muito pequeno quando consideramos os tempos totais de deslocamentos, poderíamos dizer que significa muito pouco quando se trata de minimizar acidentes. 

Apesar de o tempo total não mudar significativamente, a simples percepção aumentada da realidade nos faz entender que estaríamos na verdade perdendo mais do que os 2 ou 3 minutos reais. A comparação entre as viagens no estado 1 (devagar) em relação ao estado 2 (rápido), poderia alterar a capacidade de julgamento e poderia induzir tanto condutor quanto passageiro de que, na verdade, a viagem poderia ter sido feita muito mais rapidamente do que realmente seria, caso estivessem viajando na velocidade anterior.

Essa é uma hipótese e pretendo testá-la com meus alunos, a continuação do post demorará, estou curioso para testar a hipótese:

A diminuição de velocidade na ordem de x% implica em um aumento do temo de viagem em y%, porém a percepção do tempo de viagem aumenta em y+z%.


Testemos.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Como Groningen tornou-se a cidade
com a maior participação de ciclistas no mundo


Groningen, localizado no  norte da Holanda, tem sido aclamada como a cidade onde há a maior taxa de ciclismo do mundo. Quase 60% de todas as viagens são feitas por bicicleta na cidade.

Em 1964, Groningen era cidade era pequena. Não havia nenhum tipo de restrições à circulação de carros pelo centro da cidade e havia pouquíssimas ciclovias (figura 1). Naquela época o motorista era o principal ator, o restante era coadjuvante na dança da mobilidade. Mesmo na Holanda, entre 1950 e 1960, ciclovias foram removidas com o propósito de se ganhar mais espaço para os carros - hoje conhecidos como devoradores de espaços urbanos.

Figura 1 - Configuração espacial e sistema viário


As cidades brasileiras ainda se encontram na fase pré-Groningen, desapropriando casas, terrenos, parques para que novas avenidas sejam feitas ou para que se dupliquem faixas de tráfego. Estacionamentos na lateral da via são removidos e transformados e faixas de circulação para que assim se aumente a capacidade viária, tudo em nome da fluidez e da tentativa de diminuição dos congestionamentos.

Assim como em várias cidades do mundo a construção de amplas avenidas também ocorreu em Groningen (Figura 2). 
Figura 2  - Grandes avenidas construídas na fase anterior a política em pról da mobilidade em bicicletas

Foram construídas avenidas que cruzavam de norte a sul e leste a oeste. No entanto, em 1972, um novo governo local mudou a ênfase do planejamento urbano em Groningen. O centro da cidade foi escolhido para ser a "sala de estar" e o urbanismo foi integrado com a política de transportes. A cidade foi projetada para continuar compacta.



Em 1980 a cidade tinha crescido consideravelmente e as novas habitações haviam sido construídas na periferia. Houve a construção de um anel viário em torno da cidade, mas o acesso ao centro da cidade de carro foi reduzido. A construção de ciclovias de alta qualidade continuou por todo o período em questão (figura 3).

Figura 3 - Configuração espacial e sistema viário


Em 2006, a cidade cresceu um pouco mais e os carros foram empurrados ainda mais para fora do centro da cidade. A cidade está agora dividida em quatro grandes “quadras”, entre as quais é impossível dirigir diretamente entre elas, todo o tráfego é direcionado para o anel viário e depois reconduzido de volta. Enquanto se congelava a construção de novas vias, ciclovias começavam a ser construídas por toda cidade.


Atualmente a única maneira possível de se cruzar o centro das cidade de maneira linear e direta é através da bicicleta, caso alguém queira cruzá-la de carro terá de fazer muitas voltas, nunca poderá dirigir em linha reta e encontrará muitas ruas fechada à circulação de carros (figuras 4 e 5).








 Figura 4 - Divisão das "quadras" centrais de Groningen

O fato de não poder cruzar a cidade de carro em linha reta traz desvantagens para os carros e vantagens para a bicicleta e a caminhada, tanto em termos de tempos de viagem quanto em segurança, uma vez que há menos exposição ao risco de pedestres e ciclistas. A impossibilidade de transitar em linha reta e a obrigatoriedade de ter de acessar o anel viário diminui consideravelmente a vantagem em termos de tempos de viagem do carro sobre a bicicleta (figura 5) 

Figura 5 - Esquema de tráfego para carros (uso do anel viário) e bicicletas



Filme 1 - A transformação de Groningen


Groningen tem 84.000 casas, 38% dos quais foram construídos depois de 1970.  180 mil pessoas vivem nessas casas, e eles possuem 71 mil carros e 300 mil bicicletas. Há 0,4 carros e motos por 1,7 por pessoa.


Setenta e oito por cento dos residentes vivem em um raio de 3 km a partir do centro da cidade. 90% dos trabalhadores vivem cerca de 3 km do centro da cidade. Essas distâncias curtas ajudam a fazer do ciclismo um modo viável de transporte para a maioria das viagens, mas Groningen não tem uma densidade populacional elevada para os padrões mundiais. Na verdade, Groningen é muito menos densamente povoada do que muitas cidades de outros países com menos de ciclismo.

Não é só Groningen que tem seguido essas políticas públicas em favor de uma mobilidade mais sustentável. A maioria, se não todas as cidades holandesas tem perseguido as políticas de privilégio às bicicletas e o desenho urbano. 

Modo geral, é bem possível aumentar as viagens por bicicleta através da integração do sistema viário, do desenho urbano e uso do solo. No entanto, é preciso que o Estado interfira em favor de uma mobilidade urbana que privilegie modos de transporte menos poluentes e mais ecologicamente sustentáveis. Os feitos em Groningen ocorreram somente devido a política deliberada de exclusão os carros do centro da cidade (uma forma de segregação sem ciclovias), enquanto forneciam uma infraestrutura cicloviária de alta qualidade e livre de carros entre a periferia e o centro da cidade.

Groningen é uma cidade universitária, o que leva a cidade ter a menor média de idade populacional em comparação a outras cidades holandesas. Existem cerca de 50 mil estudantes em uma cidade de 180 mil pessoas. Este fator, claro, também aumenta o nível de ciclismo. No entanto, devido ao desenho da cidade, até mesmo os alunos em Groningen tendem a pedalar mais do que os estudantes em qualquer outro lugar do mundo.

Conclusão
A escolha modal é fruta de políticas diversas de incentivo e desincentivo aos diversos modos de transporte. Assim como não escolhemos os tipos de alimentos, música, vestimentas etc. que hoje desfrutamos, pois estes nos são impostos pelos costumes e idiossincrasias da sociedade em que habitamos, os transportes também não os escolhemos, são sim frutos de políticas impostas, as quais privilegiam ou inibem determinados meios de transportes.

Cidades holandesas fizeram um favor a humanidade e ao urbanismo ao mostrar que podemos transformar tanto a mobilidade quanto a conformação das cidades através do uso de políticas públicas de planejamento dos transportes, uso do solo e moradias.

referências

http://www.aviewfromthecyclepath.com/2009/02/how-groningen-grew-to-be-worlds-number.html
https://www.youtube.com/watch?v=cWf5fbSUNAg