domingo, 3 de setembro de 2017

EPIFANIA DAS CANELAS

Há muitos anos não viajava de bicicleta, não me lembro da última vez que arrumamos as coisas: cola, remendo, espátulas, chave de boca número 15 e 14, alicate, um ovo cozido, um doce, um sanduba. Quando será que foi minha última pedalada na estrada rumo ao cálice sagrado? Cálice sagrado era tão somente a pedalada, o chegar ao destino era o menos importante, não me lembro.

Estou fazendo uma força danada para me lembrar da última pedalada, mas nada vêm a minha mente. Talvez tenha sido a descida da serra do mar pela Br 277, Curitiba – Morretes, se foi essa, Meu DEUS, lá se vão quase 30 anos. É, se não foi essa a última, o espaço temporal deve estar certo, entre 25 e 30 anos sem me lançar na estrada com meus companheiros.

25 – 30 anos, acho que esse foi o tempo que brinquei de ser adulto, indo para o trabalho, voltando para casa, pagando contas, dormindo, levantando, indo para o trabalho....

Não havia abandonado a bicicleta, pedalei no Rio de Janeiro, em São Paulo, em Curitiba, onde quer que tenha morado, sempre pedalei. Nunca fiquei sem bicicleta, mesclava a moto, o carro, o ônibus, metrô, trem e a bicicleta, sempre usei os meios de transporte que estivessem disponíveis.

Faz uns 15 anos que tenho usado preferencialmente a bicicleta nos meus deslocamentos diários pelas cidades, a rapidez, o custo e a liberdade são, para mim, os fatores motores dessa escolha.

Ontem levantei-me as 4hs:24min, tomei café, comi umas frutas, as 5:00 horas já estava no trevo esperando meus amigos, o céu começando a mostras os primeiros raios de sol, a silueta de alguns carros e motos e de alguns ciclistas podiam ser visto,  estava tranqüilo, o whatsapp já havia me informado que meus colegas já haviam recebido minha mensagem e, com certeza, já estavam na estrada vindo em minha direção, fiquei esperando.

Logo vi o contorno de dois ciclistas acenando do outro lado da rodovia, não dava para ver os rostos, somente os contornos, mas não precisava dizer mais nada, haviam chegado e era hora de começar uma pedalada entre duas cidades ligadas por uma rodovia.

Saudamo-nos e embarcamos numa jornada com um misto de apreensão e expectativas que só os jovens sentem. Meu colega não havia nunca pedalado tal distância, era a primeira vez em sua vida que iria se aventurar numa viagem de bicicleta, quanto a mim, quase 30 anos me separavam dessas aventuras.

A pedalada começou tímida num ritmo, confesso eu, decepcionante, estávamos muito, muito lentos para quem iria viajar em uma rodovia e que logo, logo iria temer o sol inclemente daquela região. Logo o sol já foi surgindo 5hs:15min o dia já raiava, podíamos ver nossos rostos, nossos sorrisos, no misto de ansiedade e expectativa comecei a apertar o ritmo, devagar, quase que sem que se fizesse notar comecei pedalar um pouco mais forte, comecei a comentar sobre o vácuo, da sua importância, de como os carros de F1 fazem ultrapassagens, de como os ciclistas formam pelotões e economizam energia para o sprint final etc. Era uma introdução de como nos deveríamos nos comportar para termos mais eficiência na viagem.

Meu amigo havia convidado seu primo para nos acompanhar em nossa jornada. O garoto de uns 18 anos chegou vestindo uma lycra, camiseta jersey, capacete e óculos de ciclismo, bicicleta com pneus slick  etc. estava na cara que o moleque iria colocar o velinho para pedalar.

Ainda pedalávamos lado a lado quando sugeri ao garoto puxar o pelotão para que seu prrimo sentisse pela primeira vez o fator “vácuo”. Na primeira descidinha o moleque começou a esquentar suas canelas e assim começou a brincadeira, roda colada com roda, vácuo fazendo sua função, bicicletas voando baixo no asfalto que só nos esperava. A brincadeira foi se desenrolando, ora era vácuo, ora era pedalada lado a lado, nada rigoroso, nada combinado.

As 7hs:00min entrávamos em nosso destino, a pedalada havia sido tão rápida que mal nos demos conta que já havíamos chegado, comentávamos sobre o cansaço: ei, alguém viu o cansaço por ai? Estávamos inteiros, descemos até a praia, pedalamos na areia dura, fomos até um ponto emblemático da cidade e pegamos nosso troféu.



Hora de hidratar, como sempre havia esquecido a caramanhola que havia colocado no congelador, os amigos sempre prevenidos me deram água, paçoca, completei com uma maçã deliciosa, fechamos o ciclo, agora era curtir a praia.

Minha esposa foi me pegar, desmontei a bicicleta, coloquei-a no carro e voltamos. Como havia me hidratado não somente com água, mas com umas cervejas, estava fora de combate e fiquei feliz em vir de passageiro olhando as paisagens ao longo do caminho. Olhando aquelas paisagens tive minha epifania. Percebi que naquela manhã não vira a paisagem enquanto pedalava, não vira nada; nem a paisagem, nem o tempo, estava somente pedalando, curtindo o caminho. Nada me preocupava, éramos eu, a bicicleta, o caminho e meus companheiros.



segunda-feira, 22 de agosto de 2016

Plantando asfalto

Curitiba vive colhendo o que foi plantado na década de 70 e 80. As inovações advindas do jovem arquiteto Jaime Lerner e sua equipe que souberam ousar, criar e implantar diversas estruturas que modificaram a cena curitibana e transformaram a capital paranaense em cidade mundial. Quem for ao Instituto de Planejamento Urbano de Curitiba - IPUC poderá ver os alfinetes coloridos colocados em um mapa mundi, cada alfinete daquele representa uma delegação que visitou Curitiba para ver e aprender com o modelo de Uso do Solo, Transportes e Trânsito pode transformar e dirigir o crescimento de uma cidade.

Passados 30 anos, tanto o IPUC quanto a URBS (empresa que gerencia os transportes públicos) parecem ter envelhecidos. As ousadas inovações e transformações tornaram-se raras e a acomodação parece ter dominado aqueles órgãos de planejamento e administração e operação. A minha percepção é que a necessidade de concurso público para o funcionalismo público é uma desgraça para as cidades. Os concursos públicos, nos moldes como feitos hoje, admitem apenas quem se prepara para passar em um teste de marcar x, passado no teste, temos um ótimo concurseiro e um planejador o qual ficará 30 ou mais anos no cargo, deitado em berço esplêndido, faça ou não diferença para a cidade. Aprovado, o funcionário terá apenas que dizer amém para o chefe e a vida segue. Que modelo deprimente.

Os velhos planejadores de Curitiba já não dão mais as cartas, saíram, foram vender consultoria pelo mundo afora, os que ficaram resignaram-se em suas cadeiras ou em seus pensamentos de décadas passadas. Falo isso porque a mais de 15 anos procurei o IPUC para doar um plano de ciclovias via ITDP, na época o distinto diretor, afilhado político de algum conchavo qualquer e, que nada entendia de cidades, olhou-me assustado e disse que Curitiba já tinha um sistema cicloviário.

É, isso mesmo, Curitiba tinha um sistema cicloviário que não atendia ninguém, mas tinha. Esse sistema tinha sido feito anos atrás para aproveitar os fundos de vale onde a antiga Rede Ferroviária tinha desativado o trem. Como o leito da ferrovia estava lá e conectava alguns parques, a administração municipal aproveitou o espaço e pavimentou parte do leito, criando assim um sistema cicloviário que liga nada a lugar algum. Alguns desses segmentos de ferrovia passavam dentro de favelas e se você passasse por lá de bicicleta poderia sair a pé. O “sistema” nunca funcionou como sistema cicloviário e nunca funcionará.

Com o começo dos congestionamentos em Curitiba o IPUC apressou-se em tentar aplacar a ira dos carrocratas, algo tinha de ser feito e foi. Freneticamente a cidade passou a adotar binários em todas as avenidas que possuíssem um via paralela capaz de acomodar o fluxo contrário. Com a política de implantação de binários dava-se mais um fôlego para prefeitos, IPUCs e URBS das vidas. A cada crescimento da frota de veículos particulares (figura 1), a cada aumento de congestionamento tentava-se solucionar o problema aumentando a capacidade viária. Essa solução funciona até que o sistema fique saturado.

A prática de planejamento com base na expansão dos sistemas viários pode ser comparada à tentativa de uma pessoa obesa tentar resolver o problema da obesidade através da compra de calças e cintos maiores ano a ano na vã tentativa de acomodar-se dentro das novas roupas, pensando que assim resolverá seu problema de obesidade.

Figura 1 -  Evolução do número de veículos (carros e motos) e passageiros do transporte público

Anos depois voltei ao IPUC para tentar discutir a grande ênfase que Curitiba colocava na implementação de sistemas binários. Voltei ao IPUC e quis pesquisar e acessar os dados referentes a implantação dos binários, questionei também se havia uma avaliação antes e após a implantação dos binários em relação ao número de carros, passageiros transportados, quilometragem viajada, passageiro transportado nos ônibus etc. Não havia nenhuma medida, a única explicação que me foi dada era de que "era preciso aliviar o trânsito". Naquele momento vi que o IPUC havia morrido, não fazia bem para a cidade, pelo contrário, era um órgão que havia trabalhado anos para o bem da cidade e que agora, era sua inimiga.

A busca frenética para acomodar mais carros a qualquer preço é danosa à cidade. Essa busca seqüestra os espaços públicos (figura 2) destinados aos pedestres ao consumir parte das calçadas, rouba dos cidadãos a capacidade de se criar ciclovias pois troca os espaços de estacionamentos por mais uma faixa de rolamento, envenena a população pois permite que mais e mais carros acessem os espaço público e despejem toneladas de gases nocivos aos seres vivos e, por fim, não resolve o problema de congestionamento, pelo contrário, alimenta o monstro.


Figura 2 – Retirada do canteiro central da R. Dr. Pedrosa para criar mais uma faixa de rolamento

Curitiba: quem planta vias, colhe congestionamentos.

quarta-feira, 20 de julho de 2016

Responsabilidade Social II

Para as pessoas que não possuem nenhuma restrição física, o caminhar se faz vencendo os diversos obstáculos; uma calçada em desnível, alguns degraus, buracos aqui e acolá, postes, bancas de jornal, entulhos e lixos “deixados” no passeio etc. Aos poucos os obstáculos vão sendo vencidos e as pessoas vão fazendo seu caminho, e essa tem sido a história da humanidade.

A partir do momento em que a sociedade evolui outras demandas vão sendo incorporadas e as necessidades daqueles que por ventura não tinham sido contempladas começam a ser atendidas. Uma sociedade igualitária é um sonho a ser perseguido, um sonho quase impossível de ser alcançado pois as demandas individuais serão sempre infinitas e a provisão de serviços para esse tipo de demanda teria de ser individualizada, o que não é factível no atual momento de desenvolvimento da sociedade.

Apesar de não podermos atender as demandas individualizadas de nossas sociedades, o que pode e deve ser feito é, a partir de um padrão mínimo de projeto e construção, fornecer uma infraestrutura inclusiva, de desenho universal que permita que a quase totalidade dos desejos dos cidadãos sejam satisfeitos com equidade e segurança.

Ao projetarmos e implementarmos nossas infraestruturas com mais dedicação e atenção para os veículos particulares do que para outros modos de transportes roubamos um pouco da equidade e do sonho de igualdade.
                                                                               
   Figura 1

Ao não provermos as infraestruturas com igualdade e equidade roubamos o direito de uma parcela da população em satisfazer suas necessidades básicas tais como; o deslocamento a um supermercado para comprar itens básicos, a caminhada até a padaria, uma ida ao banco, uma visita aos entes queridos, uma viagem ao trabalho etc.

Além de a sociedade retirar os direito de uns em privilégio de outros, muitas vezes faz isso a um custo social por demais cruel, pois expõe a vida de muitos à riscos desnecessários, quase criminosos.

Filme 1


O atendimento das demandas sociais em relação aos deslocamentos urbanos é um fator promotor da igualdade de condições para que as necessidades básicas sejam atendidas.

segunda-feira, 18 de julho de 2016

Responsabilidade Social

Ontem sai com minha filha para andarmos de bicicleta, o objetivo era sairmos do nosso prédio e irmos à Av. Rio Branco. No domingo a Av. Rio Branco é fechada e a via se torna um imenso espaço público onde pedestres, corredores, patinadores, ciclistas etc., se divertem e desfrutam o final de tarde e início da noite livre do movimento de carros e motos.

Já havíamos ido muitas vezes à Av. Rio Branco, sempre colocava as bicicletas no carro, dirigiamos até lá e depois pedalávamos, mas ontem foi diferente, já saímos pedalando de casa, foi ai que o medo, um certo pavor surgiu.

Maria tem 9 anos, era a primeira vez que pedalava na rua, montei então um esquema de proteção. Escolhi as ruas com menor fluxo de carros e com pavimento de asfalto para facilitar a pedalada para a pequena. Pedi que ela ficasse sempre na minha direita, assim eu ficava entre o carro e Maria.

Quando estávamos chegando ao centro, prova de fogo. Como atravessar um semáforo com uma criança em uma bicicleta quando não há tempo nem para pedestres? 

Aproveitei e expliquei para ela o que ela deveria olhar, quais cuidados tomar etc. Deixamos um ciclo semafórico completar, apareceu uma oportunidade e finalmente cruzamos a interseção do cemitério (sem trocadilhos).

Na noite anterior havia lido como os holandeses se sentem orgulhosos de como todas as suas crianças podem pedalar em segurança para as suas escolas, isso mesmo, todas as crianças. 

Lembrei de Maria em Paris me perguntando o que duas crianças do tamanho dela estavam fazendo sozinhas atravessando a rua em patinetes, expliquei para elas que elas estavam saindo da escola e indo para casa. Maria mais que rapidamente me perguntou o porque ela também não poderia fazer o mesmo em nossa cidade. Qual resposta dar para essa criança?

E se mudássemos o foco das crianças para os adultos com mais de 70 anos? Idosos que não dirigem por não possuírem carros, ou os que perderam a capacidade de guiá-los, ou que por qualquer outra razão não façam uso dos carros particulares e tenham de se deslocar pelas cidades. Poderiam fazê-lo através do uso de táxis e de transportes públicos, o que de fato lhes custaria muito caro, o que torna esses deslocamentos um impeditivo para a grande maioria das pessoas.

A solução seria o uso das  calçadas, mas o uso das calçadas pelos idosos é quase impossível, não temos calçadas com acessibilidade na imensa maioria das cidades, os riscos de acidentes são enormes uma vez que as interseções não estão programados com tempo de cruzamento para pedestres. Nas interseções onde há o tempo para pedestres, estes estão dimensionados para uma caminhada rápida para  vencer a distância entre as duas esquinas, nunca vi um estudo brasileiro que considere o tempo de caminhada dos idosos.


Enfim, a mudança do viário para proteção de crianças seria uma dádiva para os idosos e vice-versa.


segunda-feira, 4 de maio de 2015

Educação para a vida

Há alguns anos fui levar meus sobrinh@s para a escola na cidade de Hampden no estado do Maine. Meu irmão me alertou de uma maneira inusitada, disse-me: Não vou tirar você da prisão, se você vir um ônibus amarelo não o ultrapasse em hipótese alguma. Naquela, como em tantas outras cidades americanas, a prática é que, se você ultrapassar um ônibus escolar, provavelmente alguém anotará sua placa e telefonará para o xerife, de posse da placa do carro o senhor xerife irá lhe visitar e lhe prender, simples assim.

Aquelas palavras eram mais ameaçadoras do que propriamente um conselho. Dirigi pelas vias da cidade torcendo para não encontrar um daqueles ônibus, não queria correr o risco. Quando cheguei perto do colégio pude avistar dois radares com o respectivo aviso de limite de velocidade. Entreguei as crianças na escola e voltei para casa.

A conversa com meu irmão ficou impregnada na minha mente. Esta semana vi um vídeo na internet sobre os ônibus americanos, antes  já havia postado como o brasileiro se comportava em frente as escolas. Nessa postagem junto as duas coisas.

Todos os dias convivo com o desrespeito na porta da escola quando vou deixar minha filha. Há uns 2 anos a escola fez uma semana do trânsito e as crianças passaram a incorporar as leis. Conclusão: muitos pais foram reclamar na secretaria do colégio que os filhos deles estavam chamando a atenção deles por furarem os semáforos, pararem em cima da faixa de pedestres etc. A diretora constrangida me contou a experiência. Acho que desistiram da educação para o trânsito, nunca mais vi uma ação na escola, uma pena.

Pequenas ações do cotidiano mostram o comportamento relativo ao respeito as leis. Como esperar que melhoremos se não respeitamos nem mesmo nossos filhos?

Brasil, Mossoró-RN



Estados Unidos:

Ônibus escolar 

segunda-feira, 6 de abril de 2015

Tempo de viagens reais e tempos percebidos

Tenho andando muito a pé e de bicicleta, a velocidade com que as pessoas circulam em seus carros tem-me dado medo, ou melhor, receio. Alguns momentos após ter essa percepção me dei conta que quando dirijo, faço-o na mesma velocidade, portanto, se estivesse caminhando poderia me ver dirigindo rapidamente e teria receio de mim mesmo.

Parece loucura, mas não é. A realidade tem mostrado que velocidade, imprudência e imperícia tem sequelado e matado muita gente. Se diminuíssemos um pouco, e apenas um pouco, a velocidade dentro das vias urbanas, resolveríamos uma quantidade inimaginável de problemas, dentre eles: as mortes desnecessárias; as mutilações emocionais e físicas às pessoas acidentadas e aos parentes e amigos; a reparação de bens materiais; indenizações; o espalhamento das cidades (não óbvio e não é intenção do texto demonstrá-lo) etc., etc., etc.

A primeira coisa que as pessoas iriam notar é que o tempo de viagem em carros quase não se alteraria, ou se alteraria muito pouco. 

Suponha que uma diminuição na velocidade permitida dentro da cidade gerasse uma variação fosse em torno de 10% para mais no tempo de viagem, portanto uma viagem de 20 ou 30 minutos teria uma diferença a mais de 2 a 3 minutos, ou seja, um tempo muito pequeno quando consideramos os tempos totais de deslocamentos, poderíamos dizer que significa muito pouco quando se trata de minimizar acidentes. 

Apesar de o tempo total não mudar significativamente, a simples percepção aumentada da realidade nos faz entender que estaríamos na verdade perdendo mais do que os 2 ou 3 minutos reais. A comparação entre as viagens no estado 1 (devagar) em relação ao estado 2 (rápido), poderia alterar a capacidade de julgamento e poderia induzir tanto condutor quanto passageiro de que, na verdade, a viagem poderia ter sido feita muito mais rapidamente do que realmente seria, caso estivessem viajando na velocidade anterior.

Essa é uma hipótese e pretendo testá-la com meus alunos, a continuação do post demorará, estou curioso para testar a hipótese:

A diminuição de velocidade na ordem de x% implica em um aumento do temo de viagem em y%, porém a percepção do tempo de viagem aumenta em y+z%.


Testemos.

sexta-feira, 3 de abril de 2015

Como Groningen tornou-se a cidade
com a maior participação de ciclistas no mundo


Groningen, localizado no  norte da Holanda, tem sido aclamada como a cidade onde há a maior taxa de ciclismo do mundo. Quase 60% de todas as viagens são feitas por bicicleta na cidade.

Em 1964, Groningen era cidade era pequena. Não havia nenhum tipo de restrições à circulação de carros pelo centro da cidade e havia pouquíssimas ciclovias (figura 1). Naquela época o motorista era o principal ator, o restante era coadjuvante na dança da mobilidade. Mesmo na Holanda, entre 1950 e 1960, ciclovias foram removidas com o propósito de se ganhar mais espaço para os carros - hoje conhecidos como devoradores de espaços urbanos.

Figura 1 - Configuração espacial e sistema viário


As cidades brasileiras ainda se encontram na fase pré-Groningen, desapropriando casas, terrenos, parques para que novas avenidas sejam feitas ou para que se dupliquem faixas de tráfego. Estacionamentos na lateral da via são removidos e transformados e faixas de circulação para que assim se aumente a capacidade viária, tudo em nome da fluidez e da tentativa de diminuição dos congestionamentos.

Assim como em várias cidades do mundo a construção de amplas avenidas também ocorreu em Groningen (Figura 2). 
Figura 2  - Grandes avenidas construídas na fase anterior a política em pról da mobilidade em bicicletas

Foram construídas avenidas que cruzavam de norte a sul e leste a oeste. No entanto, em 1972, um novo governo local mudou a ênfase do planejamento urbano em Groningen. O centro da cidade foi escolhido para ser a "sala de estar" e o urbanismo foi integrado com a política de transportes. A cidade foi projetada para continuar compacta.



Em 1980 a cidade tinha crescido consideravelmente e as novas habitações haviam sido construídas na periferia. Houve a construção de um anel viário em torno da cidade, mas o acesso ao centro da cidade de carro foi reduzido. A construção de ciclovias de alta qualidade continuou por todo o período em questão (figura 3).

Figura 3 - Configuração espacial e sistema viário


Em 2006, a cidade cresceu um pouco mais e os carros foram empurrados ainda mais para fora do centro da cidade. A cidade está agora dividida em quatro grandes “quadras”, entre as quais é impossível dirigir diretamente entre elas, todo o tráfego é direcionado para o anel viário e depois reconduzido de volta. Enquanto se congelava a construção de novas vias, ciclovias começavam a ser construídas por toda cidade.


Atualmente a única maneira possível de se cruzar o centro das cidade de maneira linear e direta é através da bicicleta, caso alguém queira cruzá-la de carro terá de fazer muitas voltas, nunca poderá dirigir em linha reta e encontrará muitas ruas fechada à circulação de carros (figuras 4 e 5).








 Figura 4 - Divisão das "quadras" centrais de Groningen

O fato de não poder cruzar a cidade de carro em linha reta traz desvantagens para os carros e vantagens para a bicicleta e a caminhada, tanto em termos de tempos de viagem quanto em segurança, uma vez que há menos exposição ao risco de pedestres e ciclistas. A impossibilidade de transitar em linha reta e a obrigatoriedade de ter de acessar o anel viário diminui consideravelmente a vantagem em termos de tempos de viagem do carro sobre a bicicleta (figura 5) 

Figura 5 - Esquema de tráfego para carros (uso do anel viário) e bicicletas



Filme 1 - A transformação de Groningen


Groningen tem 84.000 casas, 38% dos quais foram construídos depois de 1970.  180 mil pessoas vivem nessas casas, e eles possuem 71 mil carros e 300 mil bicicletas. Há 0,4 carros e motos por 1,7 por pessoa.


Setenta e oito por cento dos residentes vivem em um raio de 3 km a partir do centro da cidade. 90% dos trabalhadores vivem cerca de 3 km do centro da cidade. Essas distâncias curtas ajudam a fazer do ciclismo um modo viável de transporte para a maioria das viagens, mas Groningen não tem uma densidade populacional elevada para os padrões mundiais. Na verdade, Groningen é muito menos densamente povoada do que muitas cidades de outros países com menos de ciclismo.

Não é só Groningen que tem seguido essas políticas públicas em favor de uma mobilidade mais sustentável. A maioria, se não todas as cidades holandesas tem perseguido as políticas de privilégio às bicicletas e o desenho urbano. 

Modo geral, é bem possível aumentar as viagens por bicicleta através da integração do sistema viário, do desenho urbano e uso do solo. No entanto, é preciso que o Estado interfira em favor de uma mobilidade urbana que privilegie modos de transporte menos poluentes e mais ecologicamente sustentáveis. Os feitos em Groningen ocorreram somente devido a política deliberada de exclusão os carros do centro da cidade (uma forma de segregação sem ciclovias), enquanto forneciam uma infraestrutura cicloviária de alta qualidade e livre de carros entre a periferia e o centro da cidade.

Groningen é uma cidade universitária, o que leva a cidade ter a menor média de idade populacional em comparação a outras cidades holandesas. Existem cerca de 50 mil estudantes em uma cidade de 180 mil pessoas. Este fator, claro, também aumenta o nível de ciclismo. No entanto, devido ao desenho da cidade, até mesmo os alunos em Groningen tendem a pedalar mais do que os estudantes em qualquer outro lugar do mundo.

Conclusão
A escolha modal é fruta de políticas diversas de incentivo e desincentivo aos diversos modos de transporte. Assim como não escolhemos os tipos de alimentos, música, vestimentas etc. que hoje desfrutamos, pois estes nos são impostos pelos costumes e idiossincrasias da sociedade em que habitamos, os transportes também não os escolhemos, são sim frutos de políticas impostas, as quais privilegiam ou inibem determinados meios de transportes.

Cidades holandesas fizeram um favor a humanidade e ao urbanismo ao mostrar que podemos transformar tanto a mobilidade quanto a conformação das cidades através do uso de políticas públicas de planejamento dos transportes, uso do solo e moradias.

referências

http://www.aviewfromthecyclepath.com/2009/02/how-groningen-grew-to-be-worlds-number.html
https://www.youtube.com/watch?v=cWf5fbSUNAg